The Long Night

Se sofremos reveses que desencadeiam em nosso íntimo forças negativas – como a amargura e a ira – por vezes uma noite de sono demonstra-se suficiente para que tais impulsos sejam dissipados e decompostos em emoções residuais praticamente inofensivas. É como se houvesse no sono uma propriedade curativa que isola e aprisiona no universo onírico os componentes tóxicos de um sentir turbulento e, nas trevas do transe noturno, portanto, um mecanismo sutil capaz de diluir certas quantidades de corrupção espiritual em soluções sangüíneas de relativa inocuidade.

Que se há de dizer, no entanto, dos efeitos que sobrevivem à primeira noite e, persistentemente, às consecutivas? A infecção se alastra e o dia que segue vem sem luz; não há madrugada, amanhecer ou crepúsculo. O sistema subverte a ordem natural do mundo: o corpo se contorce em espasmos catárticos para expelir de si a causa do mal que o aflige e a noite febril não acaba; sob a derme betuminosa do manto crepuscular ardem em silenciosa incandescência todos os desejos órfãos e agonizantes - de maneira torturante e lenta, a noite se alonga e não cede enquanto o ferido sentir não esquece.